14 de maio de 2011

Uma rara entrevista com um dos cientistas mais famosos do mundo

Tal como Albert Einstein, é tão famoso pela sua história pessoal como pela obra científica. Aos 21 anos, o físico britânico Stephen Hawking descobriu que tinha esclerose lateral amiotrófica, conhecida como a doença de Lou Gehrig. Apesar de em geral provocar a morte em menos de cinco anos, isso não aconteceu com Hawking, que vive há muitos mais anos com a doença, durante os quais produziu alguns dos trabalhos de investigação em cosmologia mais importantes do seu tempo. Nos anos 60, em conjunto com Roger Penrose, recorreu à matemática para explicar as propriedades dos buracos negros. Em 1973, aplicou a relatividade geral, de Einstein, aos princípios da mecânica quântica. Além disso, mostrou que os buracos negros não são tão escuros quanto isso e alguma radiação consegue escapar à sua força de atracção e eles próprios podem acabar por explodir e desaparecer, uma descoberta cujo eco ainda hoje se faz sentir na física e na cosmologia.


Em 1988, Hawking tentou explicar o que sabia acerca das fronteiras do universo para o público não especialista em "Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros". Venderam-se mais de 10 milhões de cópias em todo o mundo e manteve-se nas listas de mais vendidos durante mais de dois anos.

Hoje, aos 69 anos, Hawking é uma das pessoas que mais tempo sobreviveram à doença, e talvez a mais inspiradora. Quase completamente paralisado, apenas consegue falar através de um simulador de voz computorizado.

Num ecrã ligado à sua cadeira de rodas passam palavras de uso frequente. Com um músculo do rosto, assinala a um sensor instalado nos seus óculos as instruções a transmitir ao computador. É assim que vai construindo as suas frases, laboriosamente. Depois o computador transforma-as no som metálico sintético tão conhecido pela sua legião de fãs.

O processo é moroso e cansativo. No entanto, é assim que Hawking se mantém ligado ao mundo, dirigindo a investigação no Centro de Cosmologia Teórica da Universidade de Cambridge, escrevendo proficuamente, tanto para especialistas como para o público generalista, e dando conferências perante um público entusiástico que vive entre França e as ilhas Fiji.

Hawking esteve no Arizona o mês passado a convite de um amigo, o cosmólogo Lawrence Krauss, para um festival de ciência patrocinado pelo Projeto Origens, da Universidade Estatal do Arizona. A sua conferência, "A Minha Breve História", não era só sobre quarks e buracos negros. A certa altura falou da alegria da descoberta científica. "Não posso dizer que se compare com o sexo", afirmou na sua voz sintética, "mas dura mais." O público riu.

Na manhã seguinte Hawking concedeu uma das suas raras entrevistas. Bem, uma espécie de entrevista, digamos assim. Na semana anterior tinha enviado dez perguntas à sua filha, Lucy Hawking, de 40 anos. Para não cansar demasiado o pai, muito enfraquecido desde uma doença quase fatal há cerca de dois anos, Lucy leu-lhe as perguntas ao longo de vários dias.

Durante o nosso encontro, o cientista reproduziu as suas respostas. Apenas uma das respostas, a última, foi espontânea. No entanto, apesar das limitações, foi o próprio Hawking que insistiu que a entrevista fosse feita pessoalmente, em vez de por email.

Só mais uma explicação acerca da segunda pergunta, a dos extraterrestres. Ao longo do ano passado, Lucy Hawking trabalhou no acompanhamento do Projeto Origens. Do seu trabalho fez parte a organização de um concurso, em conjunto com o físico Paul Davies, da Universidade do Arizona, "Queridos Extraterrestres", destinado a crianças de escolas primárias de Phoenix, em que estas participam com redacções sobre aquilo que diriam a seres extraterrestres que tentassem contactar o planeta Terra.

Professor Hawking, obrigada por esta entrevista à seção de ciência do jornal. Diga-me uma coisa: este dia é um dia como os outros para si?


Costumo levantar-me cedo e depois vou para o meu gabinete, onde trabalho com os meus colegas e com os alunos, na Universidade de Cambridge. Através de email consigo comunicar com cientistas de todo o mundo. Como é evidente, por causa da minha doença, preciso de ajuda, mas sempre me esforcei por vencer as limitações e fazer uma vida tão completa quanto possível. Viajei por todo o mundo, do Antárctico à gravidade zero [Pausa.] Talvez um dia vá ao espaço.

Por falar em espaço, esta semana a sua filha, Lucy, e Paul Davies enviaram uma mensagem das crianças de Phoenix para o espaço, dirigida a algum extraterrestre que possa andar por aí. Em tempos o professor disse que não achava boa ideia os seres humanos contactarem com outras formas de vida. Sugeriu a Lucy que não o fizesse? Mas supondo que o próprio professor o fazia, que diria nessa mensagem?

Se o disse foi partindo do princípio de que esses extraterrestres seriam de tal maneira mais avançados que nós que a nossa civilização poderia não sobreviver à experiência. Este concurso para as crianças tem pressupostos diferentes. Supõe-se que uma forma de vida inteligente já entrou em contacto com a Terra e nós temos de responder. Pede--se às crianças que pensem de forma criativa e científica para explicarem a vida humana neste planeta a extraterrestres curiosos. Não tenho a menor dúvida de que se um dia fôssemos contactados por seres destes íamos querer responder. Também acho que é uma pergunta inteligente a fazer a uma criança, porque lhe exige que pense na raça humana e no nosso planeta como um todo. Pede aos alunos que definam quem somos e o que fizemos.

Não quero que me ache pouco respeitosa, mas há especialistas que dizem que o professor não pode sofrer da doença. Pensam que as coisas têm corrido demasiado bem para que isso seja possível. Como responde a este tipo de especulações? 

Talvez não tenha a forma mais vulgar, que em geral mata em dois ou três anos. Mas aprendi a não ter pena de mim mesmo, por haver tanta gente pior que eu, e a fazer o que posso com a minha vida. Hoje sou mais feliz que antes de ter desenvolvido a doença. Tenho a sorte de trabalhar em física teórica, uma das poucas áreas em que a minha doença não é seriamente incapacitante.

Com a sua experiência, que diria a uma pessoa a quem tivesse sido diag-nosticada uma doença grave, talvez esclerose lateral amiotrófica?

O meu conselho seria que se concentrasse nas coisas que a doença não a impede de fazer bem e que não lamentasse as outras. Que evitasse limitar-se espiritualmente, além de fisicamente.

Falemos agora do Grande Colisor de Hadrões, na Suíça, em relação ao qual havia tantas esperanças quando foi inaugurado. Está desiludido?

Ainda é muito cedo para saber o que ele vai permitir. Faltam pelo menos dois anos para estar a funcionar em pleno. Quando isso acontecer, vai trabalhar com energias pelo menos cinco vezes superiores aos aceleradores de partículas anteriores. Não sabemos bem o que vai revelar, mas até agora, sempre que se abre um novo campo de possibilidades experimentais, acabamos por descobrir coisas inesperadas. É nessa altura que a física é mais excitante, porque aprendemos coisas novas acerca do universo.

Quando a sua "Breve História do Tempo" foi publicada ficou surpreendido com o seu tremendo êxito? Acha que a maior parte dos leitores perceberam o livro? Ou acha que o interesse pelo assunto já é satisfatório? Fazendo a mesma pergunta de outra maneira, que importância têm os livros de divulgação para a educação científica?

Não estava à espera que a "Breve História do Tempo" fosse um grande êxito. Foi o meu primeiro livro para o grande público e despertou um grande interesse. Ao princípio muitas pessoas tiveram dificuldade em percebê-lo, por isso decidi escrever uma versão mais simples, mais fácil de acompanhar. Aproveitei para acrescentar algumas coisas que tinham sido descobertas entretanto e deixei de lado algumas um pouco mais técnicas. Chamei-lhe "Brevíssima História do Tempo". É um pouco menos longo, mas é sobretudo mais acessível.

O professor sempre evitou envolver-se muito abertamente em matérias políticas, mas o ano passado pronunciou- -se publicamente no debate sobre saúde nos Estados Unidos. Porque o fez?

Fi-lo em resposta a uma coisa publicada num jornal dos Estados Unidos no Verão de 2009, que dizia que se eu fosse britânico o Serviço Nacional de Saúde do meu país tinha-me matado. Senti--me na obrigação de repor a verdade. Para começar sou inglês. Vivo em Cambridge, Inglaterra, e ao longo dos últimos 40 anos o Serviço Nacional de Saúde tem tomado muito bem conta de mim. Recebi excelentes cuidados de saúde no Reino Unido e acho justo que isso se saiba. Sou partidário de um sistema público de cuidados de saúde e não tenho receio de o dizer publicamente.

Aqui na Terra os últimos meses têm sido devastadores. Como se sente quando lê notícias acerca de terramotos, revoluções, contra-revoluções e acidentes nucleares no Japão? Ficou tão abalado como todos nós?

Já estive várias vezes no Japão e fui recebido com uma hospitalidade maravilhosa. Sinto uma tristeza profunda pelos meus amigos e colegas japoneses que foram vítimas desta catástrofe. Espero que haja um esforço global sério para ajudar o Japão a recuperar. Como espécie já sobrevivemos a muitos desastres naturais e situações difíceis. O ser humano é capaz de vencer dificuldades terríveis.

Se for possível viajar no tempo, como defendem alguns físicos, pelo menos teoricamente, há algum momento da sua vida a que gostasse especialmente de regressar? Isto é outra maneira de perguntar qual foi o momento mais feliz da sua vida.

Voltava a 1967, quando nasceu o meu primeiro filho, Robert. Os meus três filhos deram-me grandes alegrias.

Os cientistas do Fermilab anunciaram recentemente qualquer coisa que os nossos jornalistas descreveram uma "irregularidade suspeita dos dados que pode ser uma indicação de uma nova partícula elementar ou mesmo, dizem alguns, uma nova força da natureza". Que pensa disto?

Ainda é muito cedo para termos a certeza. Se nos ajudar a compreender o universo, é bom. Mas primeiro os resultados têm de ser confirmados por outros aceleradores de partículas.

Não queria cansá-lo, sobretudo porque vejo que tem tanta dificuldade em responder, mas há outra coisa que gostava de saber. A conferência que deu há dias aqui em Tempe, "A Minha Breve História", foi muito pessoal. Queria que as pessoas soubessem quem o professor realmente é?

(Ao fim de alguns minutos): Espero que a minha experiência possa ajudar outras pessoas.

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