Lachesis avalia os compromissos, as provas e as dores que caberão a cada ser, distribuindo assim entre os homens seus respectivos destinos; ela também sorteava quem partiria para o reino da Morte, denotando no idioma grego ‘sortear’; e Átropos, que tem sob sua égide o poder de romper o fio da vida com sua tesoura encantada; na Grécia seu nome tinha o sentido de ‘não voltar’. As Moiras estão ligadas às etapas essenciais da existência – o início e o final da vida; nascimento e morte; e o casamento.
Entre os romanos elas são conhecidas como Parcas, sendo batizadas de Nona, Décima e Morta, basicamente com as mesmas antigas atribuições, mas agora regendo apenas os mortais. O Destino continua a ser feminino, ligado a momentos próprios da mulher, como o parto, o matrimônio e a morte, a qual também sela o futuro da natureza masculina.
Aos poucos o símbolo da Moira foi novamente ganhando um aspecto singular, simbolizando os mistérios do Destino, e muitas vezes ligada à imagem da Fortuna. Hoje ela conserva seu papel de protetora dos partos, e entre alguns é vista ainda em sua essência tríplice, como três velhinhas irlandesas.
Os poetas da antiguidade descreviam as moiras como donzelas de aspecto sinistro, de grandes dentes e longas unhas. Nas artes plásticas , ao contrário, aparecem representadas como lindas donzelas. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos, e criaram Têmis , Nêmesis e as Erínias . Pertenciam à primeira geração divina, e assim como Nix eram domadoras de deusas e homens. Junto de Ilitia , Ártemis e Hecate , Cloto atuava como deusa dos nascimentos e parto. Láquesis atuava junto com Tiche , Pluto , Moros , etc. qualificando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. Atropo juntamente de Tânatos , Queres e Mors determinava o fim da vida.
As Parcas aparecem freqüentemente na literatura clássica. A cena da tapeçaria belga (1510-1520), acima, representa o 3° tema do poema Os Triunfos, de Petrarca ( Itália 1304-1374), O Triunfo da Morte.
O poema de Petrarca, com tradução de Luís de Camões:
TRIUNFO DA MORTE
(Tradução de LUÍS DE CAMÕES)
Aquela bela dama e gloriosa,
Que hoje é nu ‘spírito e pouca terra,
E foi alta coluna e valorosa;
Tornava com grande honra de sua guerra,
Deixando já vencido o grande inimigo,
Que com seu doce fogo o mundo aterra.
Não com mais armas que respeito altivo,
Honestidade em rosto e pensamento,
Coração casto e de virtude amigo.
Grande espanto era ver tal vencimento,
As armas d’amor rotas e desfeitas,
E os vencidos dele em mor tormento.
A bela dama e as outras eleitas
Se vinham gloriando da vitória,
Em bela esquadra juntas e restreitas.
Poucas eram, que rara é vera glória,
Mas dinas, da primeira à derradeira,
De claríssimo poema e de história.
Traziam, por insígnia, na bandeira
Em campo verde um branco armelino
D’ouro fino, e topazes a coleira.
Não humano, certamente, mas divino
Era o seu doce andar, e o que diziam:
Ditosa é a que nasce a tal destino.
Estrelas e sol em meio pareciam,
Em cujo resplendor o seu consiste;
De rosas coroadas todas iam.
Como nobre coração que honra aquiste,
Cada uma em sua virtude se alegra,
Quando outra insígnia vi escura e triste,
E uma fera dona em veste negra.
Com tal furor, qual eu não sei se atrás,
No tempo dos gigantes fosse em Flegra.
Chamou, e disse: donzela, tu que vás
De beleza e virtude alterada,
De tua vida o termo não saberás?
Eu sou a importuna acelerada,
Chamada de vós, gente surda e cega,
A quem morte vem antecipada.
Eu sou a que matei a gente grega
E troiana, e no último os romãos,
Que todos minha foice corta e cega.
Não deixo povos gentios nem cristãos,
Chego quando por mim menos se espera,
Atalho mil pensamentos, todos vãos.
E a vós, quando mais ledo o viver era,
Endereço meu curso, antes que a fortuna
Misture em vossa doce a sua fera.
Já nestas tu não tens razão alguma,
E em mim pouca, que em minha morte,
Respondeu a que no mundo foi uma,
Outrem sei a quem mais dura é a sorte,
Cuja vida do meu viver depende,
Que o morrer, quanto a mim, será deporte.
Qual é quem grave coisa e nova entende,
Ou vê o que no princípio não lembrou,
E ora se maravilha, ora resprende.
Tal foi a cruel; e depois que cuidou
Um pouco em si, disse: bem conheço eu
Se dá o meu golpe em cheio ou se errou.
Depois, com melhor semblante e menos seu
Disse: tu que a fremosa esquadra guias,
Inda não experimentaste o tosco meu.
Mas, se de meu conselho algo te fias,
Que forçar te posso: por melhor se tem
Fugir velhice e os seus tristes dias.
Eu sou disposta a te fazer um bem
Que não costumo; e é que tua alma vá
Sem aquele medo e dor que a morte tem.
Como apraz ao Senhor, que em cima está,
E rege o céu, e a terra, e o abisso,
Farás de mim o que dos outros será.
Em respondendo assi, eis d’improviso
De mortos se cobriu toda a campanha,
De multidão que excede o humano siso.
A índia, o Cataio, África e Espanha,
Tudo estava coberto até os extremos
Daquela infinita turba manha.
Entre eles, os que por felices temos,
Pontífices, e reis, e imperadores,
Que ora são nus e pobres, como vemos.
Que foi de suas riquezas e primores?
Dos ceptros e vestiduras reais?
Das mitras e das purpúreas cores?
Triste o que a esperança põe em bens mortais!
Mas quem a não põe? Que se depois se achar
Enganado, o remédio é por demais.
Ó cegos que aproveita o afadigar?
Que logo vos tornais à madre antiga,
E muito pouco o vosso nome há-de durar.
E se alguma há, entre vós, útil fadiga,
Ou se são todas puras vaidades,
Qual mais souber de vós esse mo diga.
Que val ganhardes reinos e cidades,
Fazerdes tributárias muitas gentes,
Forçardes nações livres e vontades?
Que achais nessas vitórias eminentes?
Trocar sangue por terra e por tesouro?
Melhor sabe na paz aos prudentes
O pão e água no pau, que a vós no ouro.
Mas por não prosseguir tão longo tema
Acabarei, e a meu lavor me torno.
E digo que já era na hora extrema
Aquela breve vida gloriosa,
No passo em que nenhum há que não trema.
Com ela estava outra valerosa
Companhia de donas, que esperava
Saber se alguma morte há piedosa.
Atentas eram quantas ali estavam
A contemplar o fim que ela fazia,
Que tal convém fazer aos que acabam.
Estando assi a nobre companhia,
Da loura cabeça, morte lhe cortou,
A trança que seus cabelos tecia.
Assi do mundo a mais bela flor levou,
Não por ódio, mas por mais cedo mostrar
Que para reinar na glória se criou.
Tristes prantos e querelas ouvi dar,
Sendo os seus belos olhos já enxutos,
De cujo nome me soía abrasar.
Entre gritos e lágrimas e lutos
Estava ela só leda e calada,
De seu casto viver colhendo os frutos.
Vai-te em paz, alma bem-aventurada,
Diziam, e era assi; mas nada val
Contra a morte cruel e acelerada.
Que será de nós? Pois esta que era tal
Ardeu em tão breve tempo e acabou
falsa e cega esperança humanall
Se de lágrimas a terra se banhou,
Com piedade daquela alma gentil,
Sabe-o quem o viu e experimentou.
Na hora prima do dia sexto d’Abril,
Em que fui preso a morte me desatou;
Que assi muda fortuna o seu estilo vil.
Quem de dura servidão mais se queixou,
Ou da morte, como eu da liberdade
E da vida, que sem ela me ficou?
Devido era ao mundo e à idade
Não preceder a da véspera ao da prima,
Nem tirar-se-lhe a ele a dignidade.
Qual fosse a sua dor que não se estima
Ousado só a cuidá-lo eu não seria,
Quanto mais a escrevê-lo em prosa ou rima.
Acabada é a virtude e a cortesia
Se ouvia lamentar junto do leito
Pelas donas e amigas que ali havia.
Quem verá mais em dama auto perfeito,
Quem ouvirá seu falar de saber cheio,
E a voz de tão suave deleito?
O espírito, por deixar o doce seio
Com todas as virtudes, anojado,
Fazia em toda a parte o ar sereio.
Nenhum dos adversários foi ousado
De aparecer ali com vista escura,
Até que a morte o assalto houve acabado.
Deposto já o medo e a tristura,
Ao belo rosto cada uma olhava,
Por desesperação feita segura.
Não como chama, que por força acaba,
Mas que por si se gasta e consume,
Se foi dentre nós a que o mundo ornava.
A modo de um suave e claro lume,
A que falta sustância e nutrimento,
a Que no fim tem usado costume;
Mais alva que a neve que sem vento
Em gracioso campo se vê cair,
Estava ela no fim do passamento.
Quase em belos olhos um doce dormir,
Sendo o espírito já partido dela!
Parecia o seu morrer o ressurgir,
E o seu lindo rosto morte bela!
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